Geografia

Adriana Lisboa

Na chapada tudo é grande. O céu só termina quando o seu olhar desiste, ou quando a miopia te vence. Caminhe o dia inteiro e confira no mapa: você só cobriu o espaço que basta ao seu cansaço. A chapada desafia os músculos, a garrafa d’água, a máquina fotográfica. O ar é demais e dói, ressecando seu fôlego neste junho marrom. Mas a água do rio Preto é preta e transparente e seus pés não encontram fundo para o medo do mergulho. Sua voz não encontra timbre para o grito. Ao sublime inquieto do céu, seu pensamento é supérfluo. Mesmo sua vida é supérflua. O céu do cerrado desdenha das testemunhas e o sol se põe, metamorfose, catarse azul e amarela nas araras-canindé. Alguém disse que as montanhas aqui são para dentros. Você caiu na barriga do mundo, onde se desfaz tão rapidamente quanto qualquer alimento. A pele queima, a noite é fria e as estrelas pulsam toda a galáxia insone enquanto você morre mais uma vez.

Na chapada tudo é pequeno. Em meio metro de rio os peixes beliscam seus pés e as bolhas dentro d’água duram um segundo. A correnteza espelha trezentos minúsculos sóis. Trezentos milhões. Cor-de-rosa pela manhã, ao meio-dia as mimosas já são brancas. A poeira tem asas e agarra seu cabelo, e nenhum branco das suas roupas dura mais do que cinco minutos. Mínimos vales lunares feitos de pedra e areia cabem entre dois passos. Na chapada você tem o tamanho dos seus olhos e da sua irrisória capacidade de assombro. Na chapada aquilo que te assombra é também o milagroso espaço de uma flor. De um inseto. Do animal que é só pegada e vestígio. No dolorido músculo da perna você encontra sua alma, que palpita, que inverte o cerco, que nasce mais uma vez.

Geography

Translated by Rachel Morgenstern-Clarren

In the Chapada everything is big. The sky only ends when you avert your gaze, or when myopia wins. Walk all day and check the map: you only covered enough ground to reach fatigue. The Chapada defies your muscles, your water bottle, your digital camera. The air is too much, it hurts, drying up your breath in this brown June. But the Black River’s water is black and clear, and your feet don’t reach the bottom for fear of plunging. Your voice doesn’t reach the timbre for a cry. To the sublime unquiet of the sky, your thoughts are of no consequence. Just like your life. The savannah sky sneers at witnesses and the sun sets, metamorphosis, blue and yellow catharsis in the Caninde macaws. Someone said that the mountains here are within. You descended into the bowels of the earth, where you dissolve fast as any food. Your skin burns, the night is cold, and the stars pulse the whole restless galaxy as you die once again.

In the Chapada everything is small. Half a meter deep in the river fish nip at your feet and bubbles in the water only last a moment. The current mirrors three hundred small suns. Three hundred million. Pink in the morning, by noon, the mimosa flowers are white. The dust has wings and clings to your hair, and no white on your clothes lasts longer than five minutes. Tiny lunar valleys of rock and sand fit between two footsteps. In the Chapada you are the size of your eyes and of your ridiculous capacity for amazement. In the Chapada you are amazed by the miraculous surface of a flower, too. Of an insect. Of the animal that is just footprint and trace. In the aching muscle of your leg you encounter your soul, that flutters, that escapes the net, that is born once again.

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